JOGO 13
Anjo das ondas,
de João Gilberto Noll (Scipione / 2009)
x
O império bandido,
de Adroaldo Bauer (Edição do Autor / 2010)
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JUIZ
João Kowacs Castro – Atualmente desenvolve projetos culturais em prédios ocupados no centro de São Paulo com o coletivo Comboio (www.comboio.org). Além disso, é um dos roteiristas/diretores da produtora em trabalho de parto Puta Filmes (putafilmes.com) e o responsável pelo texto no work in progress LURDS (lurds.tumblr.com), os dois em parceria com Daniel Eizirik. Em 2009, lançou pela editora Dublinense o livro de contos O Ideograma Impronunciável. Está disponível para conversas, projetos, mecenato e amizade forte através do e-mail samlout@gmail.com.
Os jogadores
O império bandido, de Adroaldo Bauer
Tanto o título quanto a capa me chamaram a atenção. O título (e a sinopse) pela magnitude das palavras escolhidas. A capa (e a contracapa) por serem inusitadas. A trama é focada na história de Carlota, uma heroína que cruza situações dramáticas e extraordinárias, ao longo de um mergulho no mundo do tráfico de drogas e da corrupção. É uma história policial que parece feita nos moldes das histórias policiais à moda antiga. Existem vários personagens, reviravoltas, complôs, mocinhos e bandidos. A linguagem segue essa toada “de época”, somada a regionalismos pitorescos. A maior parte da ação se desenrola em uma cidade não identificada de um universo paralelo ao Rio Grande do Sul.
PS: Gosto da “Carta a pessoa que lê”, prefácio feito pelo próprio Adroaldo. No entanto, acho que ela poderia estar no final do livro. O testemunho elogioso de Glória Athanázio sobre o livro me deixou desconfiado por ser muito pessoal e pouco literário. Sugiro a quem for ler o livro que leia os prólogos depois da história.
O anjo das ondas, de João Gilberto Noll
O título, a capa, a frase que estampa a contracapa, bem como o livro inteiro, chamam a atenção pelo bom gosto e pelas escolhas cuidadosas. As frases são belamente desenhadas e a narrativa é livre, oscilando entre a primeira e a terceira pessoa. A história do livro é o conflito de identidade de Gustavo, um garoto carioca que mora há muito tempo em Londres e retorna ao Rio de Janeiro.
O jogo
O árbitro gira a moeda, apita e Adroaldo Bauer sai com a bola. João Gilberto Noll, com um carrinho, rouba a bola, dribla e chuta, marcando um gol nos primeiros segundos. Os cães faziam aquele som esfomeado, a respiração no extremo da capacidade, respiração de quem é submetido à servidão do instinto. A torcida corneteia o pessoal d’O império.
Rola a bola novamente, Adroaldo se aproxima perigosamente do gol e chuta. Por fim, recurso aprendido com os mendigos nas rondas de rua: enfiou jornal velho nos sapatos, molhados na chuva para chegar de casa até ali, caminho diário de um pouco mais de dois quilômetros percorridos a pé, em qualquer condição de tempo. Noll defende, sem se atirar no chão. Sentei em um balanço, querendo com certeza reinstalar a criança em mim.
Noll avança novamente e Adroaldo não consegue segurar o jogo aéreo. Aos 20 minutos do primeiro tempo, o clima é tenso entre as torcidas. Noll fica na cara do gol, manda um foguete e acerta o travessão da goleira. Ele não queria nada, nem mesmo a namorada: queria partir para o pólo norte, África, Uganda, talvez, quem sabe depois as estepes geladas, voltar dessa aventura como um pequeno herói a desbravar agora seu próprio coração, sentindo falta do que ficara de si mesmo em algum lugar impenetrável, no meio da floresta – o corpo em febre bebendo o caldo cálido da planta que pode ser balsâmica ou venenosa, ele verá…
Ninguém se move no estádio. A bola cruza o campo e cai na cabeça de Adroaldo, ao lado do gol, que, com uma cabeçada instintiva, fura a defesa do Anjo das ondas. Saiu lépido, silencioso, sem rebate, um risinho zombeteiro sob o bigode aparado fino, adivinhando romance no ar. GOL!
A tensão é demais, começa o quebra-pau entre as torcidas e o juiz teme ser necessário encerrar a partida em pênaltis. No entanto, Noll, que faz bonito no Anjo das ondas, acaba marcando um gol de misericórdia no anacrônico, mas cheio de raça, time de O império bandido. Placar final, 2 x 1. E chega de futebol.
Apesar de muito bem escrito, com um bom ritmo (122 páginas), a voz do narrador de Anjo das ondas é muito distante do universo que se propõe a retratar. Os conflitos do personagem central são consistentes e delicados, talvez até demais. Enquanto isso, O império bandido, com seu ritmo truncado, história saturada e sintaxe antiquada, é charmoso dentro de suas escolhas incomuns, apesar de ter sido demorado demais para ler. Conceitualmente, é interessante a sequência causal de acontecimentos dentro do universo familiar de um gênero narrativo, com referências fortes ao Rio Grande do Sul, narrado (na terceira pessoa) por uma voz muito característica. Mas a forma do livro como um todo (230 páginas) acabou gerando problemas de ritmo.
PLACAR
Anjo das ondas 2 x 1 O império bandido
VENCEDOR
Anjo das ondas, de João Gilberto Noll
Ufa! Foi-se-me a aflição. O resultado dá-me a paz necessária para um próximo campeonato. Apreciei muito a narração da contenda. Levo em conta o que me diz sobre a narrativa e a linguagem. Agradecido fico. “Siga la pelota!” . Adroaldo Bauer.
Tudo bem. Tem jogos que são uma M… Tem outros que são clássicos. Tem goleadas. Tem retrancas movidas a contra-ataques. Disputas ferrenhas entre dois times que se encaixam, como é o caso deste jogo. E tem carrinho, roubada de bola e drible de meia-lua. Tem gente chamando juiz de viado e tem pancadaria entre as torcidas (time do Gato contra time do Pegasus).
Sabe o que é mais “tri”? É que os árbitros do Gauchão são também os narradores das partidas. Cada jogo é um jogo e cada narração é um registro à parte. Sempre inesperadas, diferentes, surpreendentes, ao estilo de cada árbitro-narrador, cada qual com sua própria identidade.
Chega a dar uma vontadezinha de ver o replay de todas as partidas na sequência em uma publicação em papel, um pout pourri impresso com todas as narrações das partidas do Gauchão da temporada inteira.
Fica a ideia. Vai que rola… ;P
Sei que se chama “Gauchão de Literatura”, e tal, mas as metáforas futebolísticas tem um ponto de saturação…
Concordo, Homero! E, inclusive, os juízes foram orientados para evitar o uso de metáforas futebolísticas nesse ano. Abri uma exceção para o Kowacs, porque ele concorreu como “time” no ano passado e foi convidado a ser “juiz” desse ano. Então, ainda está no espírito do “estádio”. Veremos um pouco de futebol em resenhas futuras (especialmente dos juízes muito fãs do esporte), mas serão doses pequenas. Prometo!
Lu, encanta-me a tua classe na organização do campeonato e na monitoração dos debates. Fazendo a minha própria metáfora futebolística, adoraria que o Ricardo Teixeira tivesse um oitavo da tua honestidade e estilo!
🙂
Ei, Lu, não se avexe tanto assim, uai. Faz-se metáfora futebolística até na hora de cultos e missas. Tri essa edição! Apreciei muito participar. “Siga la pelota!”
Oi Adroaldo! Que bom que gostaste de participar. Eu concordo contigo sobre o uso amplo das metáforas. Mas eu, mais do que ninguém, já cansei. hehehehe. Pensa bem: editei mais de 50 jogos no ano passado e cerca de 70% deles traziam as metáforas. Acho que a brincadeira continua valendo (chamo nosso site de estádio e os posts de gramado). No entanto, com moderação. Muita! 🙂